VI(SEU) UMA CIDADE A OLHAR PARA A REABILITAÇÃO DO PATRIMÓNIO EDIFICADO
Sábado, cidade de Viseu, centro histórico, dia cinzento com frio, transeuntes com olhares intrigantes, expressando que algo estaria diferente naquele dia. E não era efectivamente um dia qualquer para a cidade e para os seus habitantes. O deslumbrante centro histórico de Viseu, engalanou-se para receber mais de uma centena de técnicos, vindos de diversos pontos do país, num evento organizado pelo programa “Viseu Património” apelidado de “Freeze Viseu – Um dia para conhecer e preservar” liderado pelo Prof. Dr. José Raimundo Mendes da Silva, personalidade marcante nos trabalhos de excelência elaborados no âmbito do património edificado e de reconhecido valor no seio da docência universitária. Só o nome do evento já fazia prever uma caminhada gélida para os corpos, mas nas mentes surgia a ideia de conservação (a gelo) efectuando um paralelismo instantâneo a uma outra conservação, a dos edifícios.
Deambulando pelas ruas deste centro, diversos grupos pluridisciplinares nos ramos da engenharia, arquitectura e outras áreas ligadas ao património, organizando os primeiros preenchimentos de tabelas de registo técnico e acarretando as suas máquinas fotográficas, foram-se preparando para efectuarem uma “radiografia” aos edifícios, não só através de uma caracterização preliminar da imagem global da tipologia e do estado de conservação dos edifícios, mas também através de um “olhar” fotográfico.
Para espanto de muitos, encontrou-se um centro histórico totalmente “vivo”, onde habitantes, comerciantes e até turistas, interagiram e quiseram acrescentar mais algum valor com as suas ideias, suas memórias e conhecimentos, abrindo gentilmente as portas de suas casas para que se pudessem visualizar melhor determinadas características. Simplesmente simpatia, globalmente reconhecida das gentes da Beira? Ou uma mentalidade já consciente de que conservação e reabilitação do património edificado é um trabalho efectuado com a população e para a população?
Transpondo um olhar mais atento a todo espaço circundante por onde se ia passando, verificavam-se diversas marcas históricas, sociais e culturais, “embriagando” os técnicos com as geometrias, cores e texturas muitas vezes resultantes de contrastes causados pela contemporaneidade.
Os olhares, que diariamente são desviados como que por uma necessidade social, focados naquelas lojas de decoração e artigos artesanais, nas pastelarias, ou nas roupas que dão vida aos manequins expostos nas vitrinas, focaram-se, desta vez, nas coberturas e nos elementos das fachadas. Em malabarismos entre muros e socalcos, para conseguir as melhores fotografias, ia-se discutindo sobre os tipos de telhas utilizadas, se continham ou não musgos, líquenes ou bolores e se a orientação geográfica influenciava diversas patologias que eram visíveis. Os grupos envolviam-se em discussões técnicas, sob o olhar atento dos habitantes e da imprensa, sendo este o cenário que predominou ao longo do dia. Existindo uma abstracção de partes mais técnicas, como por exemplo, pensar no retrato estrutural do edifício e tentar compreender o seu dimensionamento e sua execução (feita na altura de forma mais ou menos empírica) ou pensar em todas as patologias que estão presentes em vários elementos do edifício, essencialmente, pôde-se “respirar” património, com uma diversidade de materiais, com extrema importância cultural, que a cidade de Viseu herdou.
O dia ficou ainda marcado pelas visitas ao interior de dois edifícios (Rua Direita nº 194 e Rua. Dr. Luís Ferreira, nº94) onde mais uma vez se sentiu o cunho patrimonial, visualizando-se paredes em tabiques com pormenores bastante singulares, pisos, revestimentos, partes estruturais que conduziram a mais discussões técnicas, fazendo-nos sentir que ficaríamos ali tempos indeterminados para absorver tudo o que nos rodeava.
O leitor, se ainda não fez este exercício, poderá certamente passear pelo centro histórico de Viseu e enquanto disfruta de uma paisagem deslumbrante, poderá simultaneamente observar, com um olhar mais atento, o edificado presente. Será a traça toda idêntica? Os diversos tipos de vãos dar-nos-ão algumas indicações? Qual a configuração das varandas e que materiais são utilizados? Qual é o revestimento das fachadas? Vale a pena só observar, ou também tocar? Ao verificar zonas em destaque, visualizam-se cores diferentes das argamassas utilizadas no suporte, o que significará? E as esculturas e frontões (peças que decoram a parte superior das portas e janelas, ou que coroa a entrada principal de um edifício) o que transmitem?
Os Visienses deverão estar orgulhosos do seu município pela realização deste evento, o qual permitiu obter, no final do dia, dados de aproximadamente 500 edifícios, que servirão no futuro para estudos tecnicamente mais apurados.
Sábado, cidade de Viseu, centro histórico, final de tarde com frio, transeuntes com olhares de esperança, vi uma cidade a olhar para a reabilitação do património edificado.
Artigo publicado no Jornal “Diário de Viseu”
VITORINO NEVES
ENG.º CIVIL
Especialização em reabilitação de edifícios pela Universidade de Coimbra